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sexta-feira, 20 de junho de 2014

Boa noite

Dobrada à Moda do Porto

Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo, 
Serviram-me o amor como dobrada fria. 
Disse delicadamente ao missionário da cozinha 
Que a preferia quente, 
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria. 

Impacientaram-se comigo. 
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante. 
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta, 
E vim passear para toda a rua. 

Quem sabe o que isto quer dizer? 
Eu não sei, e foi comigo ... 

(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho. 
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele. 
E que a tristeza é de hoje). 

Sei isso muitas vezes, 
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram 
Dobrada à moda do Porto fria? 
Não é prato que se possa comer frio, 
Mas trouxeram-mo frio. 
Não me queixei, mas estava frio, 
Nunca se pode comer frio, mas veio frio. 

Álvaro de Campos, in "Poemas" 
Heterónimo de Fernando Pessoa

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